Sobre reinventar-se

Por Edmar Bulla

É um erro associar inovação à tecnologia. Inovação é, antes de mais nada, cultura de liberdade e desapego. Não é sobre buscar uma invenção inédita, mas sobre reinventar-se. A inovação não floresce no terreno do preconceito. Muito menos em meios-termos. Não existe meia-mudança. Aceitar o novo impondo restrições não é inovação: é placebo. E placebo não cura e nem transforma.

A inércia custa caro, porque leva ao esquecimento ou à falência. O próprio capitalismo tem inovado na busca por prosperidade coletiva. Empresas estão despertando para o que gera valor para o planeta e as futuras gerações e não apenas para os acionistas. O tema ASG – sigla para ambiental, social e governança – extrapolou o campo moral para brilhar nos negócios como inovação trazida por investidores que entenderam que não existe um planeta B. Bom para todos, inclusive para os negócios.

A História nos dá exemplos da cultura de inovação: egípcios tiveram êxito em suas conquistas porque também incorporavam outras culturas à sua. Já na América, povos pré-colombianos foram obrigados a transformar objetos ritualísticos em artefatos cristãos. O impacto é que até hoje somos dominados pela ideologia cristã europeia e todo o resto se tornou marginal ou proibido. O sincretismo diverso que traria a tolerância foi sufocado há 500 anos. Inovação não é sobre aceitar o outro como ele é, mas pelo que ele não é. Inovar é sobre o debate dos opostos.

Recentemente li o caso da tutora escolar procurada por alunos mais velhos para dar um jeito em uma criança de dois anos disposta a entrar em um jogo. Fugindo ao esperado, ela pediu que as regras fossem adaptadas para que a pequena participasse. Inovação simples, cotidiana, pragmática e com valor absurdamente poderoso a partir de reforço positivo. Também participei de um encontro em que um grupo de executivos decidiu fazer uma apresentação teatralizada, mas foram criticados por gestores acostumados a um padrão. Inovação precisa de bom senso: sem desapego não há mudança e sem didática também não há aprendizagem.

Mudar é criatividade colaborativa e contínua. A inovação é espírito livre, já o medo paralisa. Quanto mais ousada a mudança, maiores são as oportunidades e igualmente os riscos. Se empresas míopes se abatem facilmente, a solução é promover autonomia para testar, aprender, acertar e errar. Inovação é sobre arriscar-se. Líderes devem apontar o futuro, mas precisam ouvir quem conhece o presente e cocriar soluções. O diagnóstico está na base, a decisão no topo e a inovação é sempre coletiva.

A cultura de inovação autêntica cria identidade e pertencimento. Por isso as start ups surfam tão bem nesse território: elas dialogam com o novo e a ousadia. Nelas não há protocolos hierárquicos rígidos e padrões históricos sedimentados. Algumas até cedem à cultura de compradores, que sufocam o poder transformador e perdem a oportunidade de serem organizações melhores. Mas negar a diversidade é contribuir para uma antievolução. Abrir-se ao novo é vislumbrar o futuro. Trabalhei na Nokia e acompanhei o exato momento da sua recusa à mudança. O final melancólico dessa história já é conhecido. Agora, escreva a sua.