Por Edmar Bulla
Brasileiros nascem e crescem banhados nas águas turvas da ideologia europeia branca, heteronormativa e cristã há mais de 500 anos. Temos sido criados para avaliar como subproduto ou sub-raça tudo o que é diferente dessa norma, inclusive estética, que representa um Jesus loiro e de olhos azuis que prega o amor ao próximo. Assim humanos mais ricos fazem safári com outros humanos em Sarajevo, crianças pretas são postas em caixas de papelão e despachadas em navios humanitários para a França e toda a sorte de humanos “diferentes” está sob o constante olhar supremacista, sob a mira de armas, sob a égide do preconceito.
Mas não somos do Velho Continente. Fomos “descobertos” por ele. Uma baita grilagem imperialista. Somos fruto de uma história social de opressão, colonialismo e escravidão. Temos medo de errar e de sermos diferentes, então repetimos a regra. Esquecemos, contudo, que somos diferentes por essência. Antes de sermos pretos, brancos, evangélicos, transsexuais, anciãos… Somos geneticamente diferentes! Rejeitar isto é matar aos poucos a humanidade em nós. Preconceito e exclusão significam perda.
O Brasil é majoritariamente preto e feminino. De acordo com o IBGE, pelo menos 45 milhões de nós têm algum tipo de deficiência, ou seja, 24% da população do país. Somos milhões de LGBTQIAP+… E crescemos proporcionalmente a cada nova letra. Mas, onde estão os sites e aplicativos de compra para cegos? Por onde andam os pretos nos condomínios de luxo, cadê a inclusão em cargos de chefia, em conselhos de administração, em clubes, em lojas, nas empresas?
Estamos ignorando o que nos trouxe até aqui: a diversidade genética, fruto de nossa capacidade reprodutiva e de organização social. O sexo continua nos salvando, há quase 200 mil anos, por mais que o legado pecaminoso de Santo Agostinho para esse lado ocidental do mundo nos condene pelo mesmo motivo há meros 600 anos.
Mas estamos alertas e temos conquistas! Questionamos o heteronormativo, os terraplanistas, negacionistas e os magnatas brancos. Debatemos diversidade e inclusão, por mais que “o padrão” queira manter seu lugar de privilégio em relação ao Outro. Porque o heteronormativo que vive em nós não quer uma sociedade diversa e não admite perder posição de poder político e econômico.
É esse mesmo padrão que sustentou exposições e circos de humanos para divertir outros humanos que não pensavam que os primeiros também o fossem. Esse tipo de aberração ainda funcionou até a década de 1960 na Bélgica, onde congoleses lidavam com bananas e moedas jogadas pela plateia branca. E os norte-americanos, até a mesma época, em muitos estados, proibiam casamentos com “pessoas de cor”. E, por aqui, mantivemos outros humanos como escravos até o final do século XIX e depois os “libertamos” sem qualquer política de apoio ou inclusão.
A história é mestra em nos fazer ver como estamos errando e persistindo no erro. É nosso dever romper com o que nos torna menos diversos e mais empobrecidos, porque perdemos – e muito – quando fazemos o caminho perigoso da exclusão. A garantia de futuro da nossa espécie continuará baseada em nossa capacidade de combinar e reproduzir seres humanos geneticamente diversos, que pensem diferente e que sejam admirados por suas incríveis, belas e naturais divergências. Portanto, sem mais, “crescei e multiplicai-vos”.
Escrito por
Edmar Bulla
Palestrante sobre inovação, tendências e comportamento |
Fundador do Grupo Croma | Embaixador ChildFund Brasil.
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