Por Edmar Bulla
Hoje, o nível mensal das vendas no varejo corresponde ao mesmo patamar da segunda metade de 2010. Esse é o tamanho do rombo causado por uma recessão grave e que vem causando estragos em toda a cadeia de compra e consumo. No entanto, a economia parece dar sinais de recuperação.
Essa retomada pode ser percebida pelo recuo direto da taxa de desemprego, incremento da renda média (em 12 meses até julho houve avanço de 1,4%) e da massa de rendimentos, queda da taxa de juros, deflação (em 12 meses até agosto o IPCA está em 2,46%) e aumento das novas concessões de crédito. Tudo isto reflete diretamente no crescimento dos gastos das famílias brasileiras. E é justamente esse consumo que deve sustentar a alta do PIB em 2018.
A recuperação consistente das vendas no varejo, que cresceu 3,1% em relação a julho de 2016, seguindo a curva ascendente dos últimos 3 meses, acompanha o ritmo de incremento da massa de renda. E a sustentabilidade do crescimento do consumo passa necessariamente pela retomada dos investimentos, atualmente no patamar ainda baixo de 15%, considerado crítico. Crédito e emprego devem impulsionar a melhora tão esperada e, neste momento, já é possível perceber a maior confiança dos lojistas de setores importantes.
Se a virada ocorre agora, de maneira mais visível, 2017 passa a ser icônico. É o ano de transição entre o pior da crise e a retomada do vigor econômico. Por enquanto, com base em todas as pesquisas realizadas pela Croma, o preço continua a ser fator decisivo para todas as classes sociais, principalmente em bens não-duráveis. É bom lembrar que houve uma queda de 5,7% do volume de vendas da cesta Nielsen em 2016, representando a maior retração em 20 anos.
No caso de bens duráveis, além do preço, o consumo de usados passou a ser um comportamento mais comum. Quem não tem visto crise são segmentos como oficinas, lojas de carros usados e de peças de reposição, além da crescente penetração de serviços como proteção contra roubo e furto de celulares, reação direta ao aumento do índice de ocorrências, principalmente nas regiões Nordeste e Sudeste do país.
Durante a recessão, a racionalidade derrubou muitos indicadores de fidelidade de categorias, produtos, marcas e canais. Refrigeradores com degelo manual e tanquinho passaram a ocupar a preferência dos frost free e lavadoras de roupas e atacarejos deixaram o formato supermercado em uma crise de identidade.
As missões de compra do brasileiro trazem nuances, por trimestre, cujas variações são essenciais para a atuação precisa e eficaz da indústria e do varejo. É preciso monitorar e avaliar comportamentos e hábitos muito além dos modelos tradicionais de pesquisa, já que os valores e crenças dos shoppers foram bastante afetados nos últimos anos. A crise instiga um novo modelo de atuação para o setor varejista e a atuação de parceiros e de toda a cadeia de valor precisa necessariamente se calibrar e inovar.
Se na escassez é quando se inova com mais criatividade, 2017 deve pavimentar o caminho para um 2018 com estabilidade, mesmo que o patamar de compra e consumo das famílias, anterior à crise, seja normalizado apenas em 2020. Até 2019, travaremos a batalha da estabilidade.
O resultado do varejo está em linha com a estimativa de crescimento do PIB de 0,7% neste ano, impulsionado pelo investimento, que se sustenta em equilíbrio fiscal sem avanço da carga tributária e, claro, pela reforma da previdência. Se o setor privado está otimista e quer se reerguer, o setor público precisa se mover – e rápido. Caso isto não ocorra, 2018 pode apresentar um cenário bem menos otimista, com impacto nos juros, na confiança e nível de investimento.
Como a economia brasileira está mostrando sinais de melhora, com a queda de juros e consequente crédito mais barato, marcas e redes ampliam suas operações: General Motors e MAN anunciaram recentemente a contratação de mil trabalhadores e o Magazine Luzia prevê abrir ainda 60 lojas em 2017, a maior parte delas no Nordeste. É o momento de garantir sustentabilidade, mas sem perder o rumo do vetor da inovação. Ao mesmo tempo que o contexto do país impõe a necessidade de competitividade e manutenção dos negócios, o avanço digital não espera.
Segundo o IBEVAR, as 120 maiores empresas do varejo brasileiro responderam por um faturamento de mais de R$ 460 bilhões em 2016, representando um crescimento de 7,7% sobre 2015, contra 5,2% do crescimento entre 2015/2014. Contudo, apesar do crescimento do varejo, apenas 58% das empresas podem ser consideradas multicanal e 48% multiformatos, frustrando as expectativas de um shopper ávido por conveniência, tempo e comodidade.
O “efeito sanduíche” torna a situação das grandes redes e dos pequenos e médios varejos ainda mais opressora: de um lado, o contexto macroeconômico. De outro, o shopper que demanda inovação. Esta equação só se revolve com inovação e criatividade, como é o caso da aplicação de descontos, em tempo real, no check out, a partir da adoção da inteligência artificial e big data no programa Meu Desconto, do Pão de Açúcar. Outras marcas como Drogasil e Mercado Livre também têm lançado mão dessas ferramentas.
É o marketing de relacionamento elevando a personalização a um nível algorítmico e complexo e, ao mesmo tempo, com o desafio de ser simples ao ponto de encantar o shopper e elevar sua intenção de compra.
Principalmente para as classes B e C, ávidas por preços e promoções, descontos reais e integrados em uma experiência de compra gamificada e multitela tornam-se atrativos, mas que ainda podem causar quebra de disponibilidade de produtos com maior percentual de descontos no aplicativo. Isto pode indicar, de certa forma, a resistência de alguns executivos, que ainda subestimam ou hesitam em encarar o potencial inegável e transformador do digital.
De qualquer forma, não podem mais ignorar o poder soberano do comportamento humano como fator decisivo no design das novas experiências de compra.
Publicado originalmente no LinkedIn:
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Escrito por
Edmar Bulla
Palestrante sobre inovação, tendências e comportamento |
Fundador do Grupo Croma | Embaixador ChildFund Brasil.
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